A Justiça de São Paulo mandou interromper uma votação na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que iria alterar parâmetros regulatórios e movimentar o bilionário mercado de viagens rodoviárias, estimado em mais de R$ 30 bilhões por ano no País. Na prática, se trata de uma disputa entre as viações tradicionais e as novas empresas de turismo e de tecnologia, como a startup Buser, maior plataforma de viagens rodoviárias, com mais de 8,6 milhões de clientes cadastrados.
Concedida pela 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, a liminar obriga a ANTT a interromper a votação que pode mudar a regulação de fretamento para beneficiar as grandes empresas de ônibus. A diretoria colegiada da Agência marcou reunião para esta quinta-feira (17/11) para discutir a revogação da Súmula 11, de 2 de dezembro de 2021, norma que define o que é transporte clandestino. A decisão judicial foi tomada na noite da quarta-feira (16/11), após a Buser entrar com mandado de segurança e pedido de liminar, com o objetivo de proteger o setor de fretamento colaborativo contra decisões autoritárias da autarquia regulatória.
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Na decisão, o juiz Victorio Giuzio Neto argumenta que a ANTT não concedeu espaço para as empresas interessadas no setor de transporte debaterem o fim da Súmula 11. Além disso, o magistrado entende que essa norma vai contra a competência legal que rege a própria Agência, além de prejudicar o setor, que gera milhares de empregos diretos e indiretos.
O juiz destaca também que é necessário que o Poder Público atue com cautela em relação aos meios de transporte coletivos por aplicativos, uma vez que o setor enfrenta mudanças em ritmo acelerado e inquieto, fruto de uma dinâmica que prioriza a inovação e a tecnologia – dois pilares que sustentam a origem de projetos como a Buser e outros dentro da economia colaborativa.
Impedir a participação dos interessados do setor na discussão sobre mudança da regra é, segundo o magistrado, uma afronta à atuação administrativa de qualquer agência reguladora, uma vez que o papel destas é promover o mercado e garantir que haja liberdade e autonomia, desde que cumprida as regras especificadas pela lei. O papel de mudar regras, se necessário, precisa ser debatido pelo Legislativo, dentro de um ambiente com amplo diálogo.
Os usuários do transporte rodoviário foram ressaltados na decisão. O juiz também saiu em defesa dos passageiros. “Ora, a apreensão de um veículo de transporte coletivo expõe a risco e vulnerabilidade seus passageiros, risco significantemente maior que o do exercício de uma autorização obtida em desconformidade com seus limites”, cita.
Giuzio Neto questiona, ainda, o entendimento da própria ANTT sobre “transporte clandestino”. “Isso porque, apesar do uso da expressão ‘clandestino’ – divergindo internamente a própria ANTT quanto ao significado e uso correto do termo – está-se diante de transporte coletivo com ao menos uma das autorizações descritas pela Diretoria Colegiada, e não, de empresas clandestinas como pode aparentar a interpretação pejorativa do termo”.
Por fim, o magistrado sustenta que transparência é um fator vital e promover a revogação de uma súmula tão importante é um risco que se oferece à segurança jurídica do próprio setor, sobretudo, sem o devido debate ou mesmo sem a concessão da possibilidade de fala dos prejudicados no processo. “Interesses maiores, públicos, e coletivos, devem prevalecer na condução do atuar administrativo, a se impor, no caso, a suspensão da sessão designada para votação definitiva da proposta de revogação da Súmula nº 11, sem que se tenha oportunizado à sociedade e aos autorizatários diretamente envolvidos amplo conhecimento e debate acerca das razões do ato, em flagrante ato coator”, ressalta.