Cerca de 9,5 milhões de passageiros são transportados diariamente nas 1.286 linhas de ônibus de São Paulo. E boa parte deles precisa fazer as incômodas baldeações – trocar de ônibus uma ou mais vezes – para chegar a seu destino final.
O engenheiro Renato Oliveira Arbex, de 29 anos, se dedica há cinco anos a tentar eliminar essas trocas de veículo. Doutorando no Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), ele usa cálculos matemáticos para atingir a sua meta de zerar as baldeações.
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Sua ideia é que o projeto seja usado pela Prefeitura de São Paulo, e, caso obtenha bons resultados, aplicado em outras metrópoles do mundo.
“A nossa intenção é fazer os ônibus terem comodidade e confiança semelhante à do Metrô, que passa a cada cinco minutos e tem poucas baldeações”, afirma Renato Oliveira Arbex. “Além dos benefícios para os usuários, as empresas gastarão menos para operar o sistema com uma frota menor.”
Renato Oliveira Arbex começou a pesquisa analisando o desenho das linhas da cidade e a mapeando quais delas passam por terminais e grandes corredores.
Em seguida, o engenheiro fez um levantamento dos pontos de partida e chegada de cada um dos passageiros, elaborando uma teia com milhões de traços. Com os dados em mãos, define por meio de um programa desenvolvido por ele mesmo quais as melhores vias e rotas para cada passageiro.
O software combina todas as rotas possíveis até atingir o número de linhas capazes de atender todas as pessoas da melhor maneira possível. A intenção é reduzir os tempos de viagem, as baldeações e até mesmo a quantidade de ônibus necessária nas ruas.
A confiança do engenheiro no sucesso da pesquisa aumentou após concluir um estudo semelhante em uma região da Suíça para sua tese de mestrado, em 2013.
Na época, ele obteve o melhor resultado entre todos os pesquisadores que usam a área como teste desde 1978, eliminando 99% das baldeações. O projeto do brasileiro conseguiu o feito com uma frota 15% menor e foi tema de artigos acadêmicos na área.
Desafio
Mas Rafael Oliveira Arbex ainda precisa convencer o município a colocar seu plano em ação.
A Secretaria Municipal de Transportes informou que conhece o estudo, mas não considera implantá-lo, pois a prefeitura tem uma equipe própria para fazer essa reestruturação e a pesquisa do engenheiro ainda está em andamento.
Mas a administração municipal pretende analisar o projeto de Rafael Oliveira Arbex após sua conclusão – a previsão é de que isso ocorra em cerca de dois anos.
O engenheiro conta que apresentou a ideia à prefeitura antes de iniciar a sua pesquisa. O governo forneceu dados para o estudo, mas não fechou nenhuma parceria com ele.
A gestão do prefeito Fernando Haddad está conduzindo uma reformulação da rede de ônibus, cujas novas linhas devem ser implantadas gradativamente aos domingos, sábados e dias úteis. As linhas que funcionam na madrugada, que inauguraram essa nova fase, foram lançadas em fevereiro do ano passado.
“De toda forma, estou aberto a contribuir para o desenvolvimento das novas redes. Até agora, analisei o uso do Bilhete Único nos coletivos para calcular uma matriz de origens e destinos, que representa o volume de viagens”, disse Rafael Oliveira Arbex.
Experiência de metrô
O engenheiro começou a estudar mobilidade urbana durante a sua graduação em engenharia civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Eu tinha uma rotina de ida e volta para a faculdade muito cansativa, pegava dois ônibus e um deles era muito lotado. Sempre me perguntei se não haveria um desenho de uma rede mais otimizada, com menores tempos de viagem e menos lotados”, relata.
Seu projeto para a capital paulista depende majoritariamente de cálculos, mas a maior dificuldade é representar numa conta a forma como as pessoas escolhem seus trajetos.
“Há muitas pessoas saindo do Tucuruvi (zona norte) para vários destinos diferentes. O cálculo deve pensar como esse passageiro e mostrar qual caminho ele faria caso pudesse evitar as baldeações”, diz.
Outro desafio é reduzir o tempo de viagem dos passageiros que moram nas áreas mais afastadas – o algoritmo também visa eliminar as linhas que dão muita volta até o destino. A intenção é valorizar os grandes corredores, que atingem as maiores velocidades.
Como exemplo atual de sucesso, o engenheiro cita uma linha de ônibus que circula na Radial Leste, paralela à Linha 3-vermelha do metrô. Ela é tão popular que precisa de duas filas para dar conta da quantidade de passageiros embarcando na Estação Itaquera no horário de pico.
“Essa grande demanda exemplifica o problema das rotas. Essa linha faz sucesso porque usa uma faixa exclusiva, tem velocidade boa, é confiável porque passa com alta frequência e se tornou uma boa alternativa ao metrô lotado”, afirma.
O engenheiro ressalta que o novo desenho de linhas só faria sucesso se a prefeitura conseguisse cumprir horários – tornando esse meio de transporte fosse tão confiável quanto o metrô.
Segundo Rafael Oliveira Arbex, o sucesso de uma medida como essa levaria mais paulistanos a deixar o carro em casa e, com isso, reduziria o trânsito na cidade.
Para que isso ocorra, o engenheiro colocou um teto nos cálculos de seu projeto para que uma viagem de ônibus demore, no máximo, 50% a mais do uma mesma viagem feita de carro.
“Se a gente tirar 20% dos veículos da rua, a cidade vira um ‘janeiro’ o ano inteiro. No período de férias, a queda de veículos nas ruas é pequena, mas suficiente para praticamente eliminar o trânsito.”
* Fonte: BBC Brasil