Com a maioria das câmeras quebradas, menos agentes nas ruas e semáforos que ainda não são regulados a distância, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) vem perdendo, nos últimos anos, seus “olhos” sobre o trânsito de São Paulo.
Ao assumir, o prefeito Fernando Haddad (PT) encontrou 89% das câmeras de monitoramento do trânsito em funcionamento. Os aparelhos foram quebrando sem haver consertos e, em março, o índice chegou a 25% — o menor ao menos desde 2011.
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Hoje, das 426 câmeras, só 170 funcionam — 40%.
O número de agentes à disposição para o trabalho nas ruas também caiu: de 1.736 em junho de 2013 para 1.562 no mesmo mês deste ano.
Além disso, o sistema de semáforos continua ultrapassado. Em maio, segundo balanço feito por funcionários, só 1% de 1.629 equipamentos que deveriam ser controlados por cinco centrais podia ser chamado de “inteligente” — permitindo, por exemplo, comando a distância e de acordo com o trânsito.
DEFICIÊNCIA
Servidores da CET ouvidos pelo jornal Folha de São Paulo dizem que, enquanto Haddad adota discurso de priorizar o transporte público e as ciclovias para melhorar a mobilidade, chega quase ao fim do terceiro ano de mandato sem ter resolvido deficiências básicas de controle do trânsito.
A solução dos problemas, que se arrastam por sucessivas gestões, é definida por especialistas como uma “lição de casa” que traria benefícios tanto ao transporte individual como ao coletivo.
“Os semáforos estão completamente cegos e surdos. É muito comum ver câmeras ‘olhando’ para baixo, ou seja, estão desligadas. Portanto o sistema, que deveria ser inteligente, é mais burro que o identificador aqui de casa. Não enxerga as correntes de tráfego e não dá o tempo de verde e vermelho em função do fluxo”, diz o consultor Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela USP.
“Só isso, se estivesse funcionando adequadamente, traria melhora no trânsito de mais de 20%. Seria um efeito de alívio duas vezes maior que as férias escolares.”
Os problemas ocorrem em um momento de aperto na fiscalização, em que a prefeitura aumenta a quantidade de multas aplicadas e, consequentemente, bate recordes de arrecadação nesse campo.
Até agosto entraram nos cofres municipais R$ 612 milhões pelo pagamento de autuações, um aumento de 14% em comparação ao mesmo período do ano passado e o maior valor em dez anos.
CÂMERAS
Na central da CET, as câmeras quebradas retornam uma tela negra no lugar do vaivém dos veículos. Além de serem usadas no monitoramento de congestionamentos, acidentes e outras interferências nas vias da cidade, elas também ajudam na fiscalização e servem à polícia.
Na prática, com os aparelhos quebrados, a prefeitura deixa de “ver” uma parte do trânsito e depende de agentes em campo para isso.
O problema é agravado pela queda do número de marronzinhos. Desde 2008 não é aberto concurso para repor funcionários aposentados.
“Operador mesmo, que coloca uniforme, pega a viatura e vai pra rua, não chega a mil atualmente”, diz um funcionário com décadas de casa. “Câmera sozinha não resolve nada. Se eu vejo que tem um carro quebrado na via e não tenho ninguém para acionar, vou fazer o quê?”
Também caiu para o menor número da história da companhia a quantidade de agentes que, de binóculos, trabalham em cima de edifícios, monitorando a circulação e transmitindo dados.
Chamados de PAC (Posto Avançado de Campo), eles ainda são vitais no método da CET para medir a lentidão.
Eles passam as condições de tráfego à central de operações, que registra tudo e faz a soma a cada 30 minutos.
O critério de aferição, adotado há mais de 20 anos, nunca teve a pretensão de atingir os cerca de 17 mil km de vias paulistanas. Mas, nos últimos anos, mais postos foram desativados. O número, que já chegou a 60 por período, estava em 29 no início da atual gestão. Agora, caiu para 18.
OUTRO LADO
A administração Fernando Haddad (PT) reconhece que o sistema de câmeras de trânsito de São Paulo está ultrapassado, mas afirma que sua iniciativa de fazer uma reforma foi barrada pelo TCM (Tribunal de Contas do Município).
De acordo com a CET, o contrato de manutenção dos aparelhos foi encerrado no ano passado e, em seu lugar, foi aberta uma licitação para a compra de 841 câmeras novas, a um custo estimado de R$ 96 milhões por ano.
O TCM, porém, acolheu questionamentos da Câmara e de uma empresa e determinou a suspensão do pregão eletrônico. Entre os problemas do edital, segundo o órgão, está a falta de especificação dos pontos de instalação e a forma como os aparelhos seriam operados.
A CET diz que já “prestou todos os esclarecimentos solicitados”, mas o processo está sob análise do tribunal há mais de um ano.
Desde o início da gestão, Haddad vem sofrendo derrotas no TCM, que já barrou diversas licitações na área de transportes, como a de corredores de ônibus, da inspeção ambiental e da instalação de radares nos ônibus.
“É essencial a conclusão desse processo porque os equipamentos já existentes são ultrapassados tecnologicamente e há dificuldade de encontrar peças de reposição. Desta forma, o melhor procedimento é adquirir novos equipamentos que, também, possuem mais recursos do que os instalados atualmente”, afirma a companhia.
A CET diz que uma força-tarefa composta por funcionários próprios vem fazendo reparos que elevaram o índice de câmeras em funcionamento —de 34%, em junho, para 40% agora.
Sobre a redução do número de agentes de trânsito à disposição do trabalho de campo, a CET afirma que isso ocorreu “em função de motivos relacionados a férias, treinamentos, licenças médicas e afastamentos”.
No início da gestão, a Secretaria de Transportes anunciou plano de instalar cerca de mil quilômetros de fibra ótica para tornar metade da rede de semáforos da cidade inteligentes —seriam conectados a uma central integrada de mobilidade e seriam ajustados à distância pelos operadores.
A previsão era que o local, que teria os equipamentos mais modernos do mercado, fosse inaugurado em setembro de 2015. A ideia, porém, esbarrou na falta de verba –apenas o custo da central integrada era estimado em cerca de R$ 300 milhões.
Fonte: Folha de São Paulo