Mobilidade urbana: as dimensões do problema

O que contribuiu para o surgimento das cidades ao longo da história da humanidade? Uma região capaz de oferecer subsídios para as necessidades alcançáveis em caminhadas diárias, e que ao mesmo tempo também fosse possível defender de ameaças externas, seria uma combinação perfeita para o surgimento de algo que se tornaria a base da civilização moderna.

E o que favoreceu o crescimento destas? Sem dúvidas foi a melhoria no uso de uma dimensão não especial: o tempo. A evolução de capacidade de deslocamentos em maiores velocidades permitiu o crescimento das cidades. À medida que a velocidade tornasse o tempo constante em distâncias cada vez maiores, as cidades foram crescendo em pari passo com os avanços tecnológcos de transporte – principalmente os de massa que combinariam outra dimensão: volume de passageiros. Aqui podemos identificar o surgimento de grandes metrópoles.

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A história das cidades, e seu crescimento pulsante, se deparou com outra dimensão: a socioeconômica. À medida que se acreditou que a tecnologia foi entendida e limitada à sua aplicabilidade em infraestrutura, as cidades mergulharam em um ciclo vicioso mais epidêmico que um vírus: mais necessidade de espaço para a infraestrutura suportar o tráfego crescente de veículos, tanto individuais quanto de massa, mais áreas desapropriadas para a construção de mais pistas e mais viadutos, obrigando as pessoas que tiveram suas propriedades desapropriadas a se mudarem para áreas cada vez mais distantes, que aumentam esta pressão com mais demanda de transportes interligando localidades mais distantes. O resultado são grandes cidades que afastam e marginalizam pessoas, esvaziando a dinâmica econômica destas.

Um agravante está na dimensão fiscal: a principal conta deficitária de boa parte das grandes metrópoles do mundo está relacionada ao transporte, mesmo observando que os serviços vêm piorando ao longo dos anos. E com os custos crescentes do preço dos combustíveis, a pressão pelos reajustes das tarifas resvala na questão energética, que resvala na dimensão ambiental.

São tantas dimensões, que nem o próprio Stan Lee, conseguiria imaginar como adaptar o cenário dos problemas da mobilidade em alguma aventura multiverso em suas histórias em quadrinhos e filmes.

Por outro lado, existe uma dimensão esquecida, uma faceta da tecnologia que vem sendo negligenciada: a informação, mais especificamente, os dados. Muitas guerras foram vencidas, e perdidas, com o uso desta preciosa ferramenta. Presumo que essa ocorrência se deve à forma de gestão da mobilidade, por um ser onisciente, o estado, centralizando e decidindo como pensar a cidade. Não é obrigação da autoridade metropolitana de mobilidade formular todas as respostas para problemas sem fim das cidades. Vale destacar a contribuição de Friedrich Hayek, ganhador do prêmio Nobel de economia, que nos aponta quão difícil é a tomada de decisão centralizada quando o conhecimento está disperso na sociedade.

E o surgimento de mobitechs, startups de mobilidade urbana, configura um exército de mentes para vencermos essa guerra. Um exemplo é a cidade de Londres, que abre os dados do sistema e integra o setor privado nas soluções desenhadas. É a concretização de um conceito que já está, faz um tempo, circulando no campo das ideias e cria forma: MaaS, do inglês Mobility-as-a-service, e em bom português, Mobilidade como serviço, para promover uma experiência da mobilidade focada nas pessoas.

A gestão da informação e seu compartilhamento permite o surgimento de soluções que promovem mais integração dos meios de transportes das cidades, bem como o pagamento destes serviços. Isso gera um ganho tanto para os prestadores de serviços de transportes, órgãos públicos, e, principalmente, para as pessoas (que tal pararmos de chamá-los de usuários?).

Imaginem a possibilidade de integrar ônibus, bicicletas, patinetes, táxis e carros por aplicativos em um só lugar. Pois bem, pare de imaginar: na cidade de Helsinki, capital da Finlândia, já é realidade. E aqui, não estamos falando de milhões de investimentos que demandam a construção de túneis e viadutos para melhorar o fluxo do trânsito, mas em gestão inteligente e compartilhamento de dados para garantir o fluxo das pessoas de volta às cidades. Os dados estão aí, quando vamos parar de jogá-los e deixar a população entregue à própria sorte?