Segurança viária: além das motos nas marginais de São Paulo

A decisão da Prefeitura de São Paulo de proibir o tráfego de motocicletas nas pistas expressas das Marginais ganhou repercussão. Mas se você achou que o objetivo era evitar acidentes causados por motos, errou: a intenção é evitar mortes.

Essa é apenas uma das ações previstas no recém-lançado Vida Segura, o plano de Segurança Viária da cidade que, se for cumprido com sucesso nos próximos dez anos, colocará a capital paulista entre as mais seguras do planeta.

Pode parecer apenas um jogo de palavras, mas é enorme a diferença de resultados quando o poder público deixa de tentar evitar acidentes e passa a tentar salvar vidas. Afinal, acidentes são ‘acidentais’: está na raiz da própria palavra.

Trata-se de um olhar que dificulta enxergar soluções, já que parece que estamos lidando com fatos excepcionais, como se nada pudesse ser feito além de conscientizar motoristas a cumprir as regras de trânsito.

Olhar para vidas que se perdem significa entender quem está morrendo, onde e sob quais circunstâncias. Significa reconhecer que estamos falando de pessoas – e pessoas são falíveis. Entender que pessoas cometem erros permite questionar se tais erros podem ser prevenidos.

Permite, por exemplo, um olhar mais minucioso para os locais onde os acidentes fatais são mais frequentes para avaliar o que pode ser feito além da tradicional fiscalização. Permite avaliar quem morre no trânsito e pensar em soluções para grupos específicos, diante da constatação que as vítimas mais frequentes são pedestres, ciclistas e motociclistas.

São os próprios dados da realidade urbana que mostram onde é necessário agir para minimizar os erros que fatalmente o ser humano comete. É quando se torna evidente que a segurança no trânsito depende fortemente das condições viárias, ou seja, da ação do poder público. E quando o poder público assume sua responsabilidade, os resultados podem ser excepcionais.

Que o diga o governo da Suécia, país pioneiro no desenvolvimento de sistemas de mobilidade que levam em conta as falhas e a vulnerabilidade humanas, na década de 1990. Apenas 3 em cada 100 mil habitantes morrem no trânsito sueco desde que o país adotou a Visão Zero de mortes no trânsito.

A título de comparação, outras cidades de grande população tem alcançado taxas mais aceitáveis para cada 100 mil habitantes: a de Tóquio é 1,9, de Nova York 2,4 e da Cidade do México 4,4. Atualmente, a taxa em São Paulo de 6,6 a cada 100 mil habitantes, e o objetivo traçado no plano é reduzir a 3 até 2028.

Em todo o mundo, as fatalidades no trânsito são a 8ª principal causa de morte, ceifam 1,35 milhão de vidas a cada ano. Seria como se caíssem 10 mil aviões com 135 passageiros por ano. O que seria da aviação se 27 aviões fossem ao chão todos os dias?

O cenário trágico do trânsito global está sendo gradualmente revertido com a abordagem de Sistema Seguro, que já é adotada em mais de 53 países e acaba de chegar ao Brasil com o Plano de Segurança Viária de São Paulo, onde o trânsito é a segunda causa de mortes entre os jovens entre 15 e 29 anos.

Embora tenha sido lançada depois de outras grandes cidades do continente americano, como Santiago, Bogotá, Cidade do México, São Francisco e Nova York, a iniciativa paulistana se beneficia das décadas de experiências para desenvolver um programa amplo, que contempla seis eixos de atuação e promove a interlocução entre todas as áreas públicas direta ou indiretamente relacionadas com o tema.

Outro ponto a favor do plano paulistano é que ele já nasce com um amplo diagnóstico dos fatores de risco e dos locais com maior concentração de acidentes graves e fatais. Com isso, será possível aplicar de forma rápida nesses locais alguns dos princípios-chave da Visão Zero de acidentes, como a promoção de um novo desenho viário, melhoria na infraestrutura e revisão das velocidades.

Áreas de maior circulação de pessoas vulneráveis, como entorno de escolas e creches, também receberão atenção especial para que a convivência entre motoristas e pedestres seja mais segura.

É nesse contexto que as motos são retiradas da pista expressa da Marginal, um local onde a alta velocidade permitida – 90 km/hora – pode ser fatal para quem conduz um veículo que deixa o corpo inteiro exposto, em caso de colisão.

Priorizar ações que protejam os mais vulneráveis é um excelente começo para que um dia se torne realidade a meta de reduzir a taxa de mortes no trânsito para 3 a cada 100 mil habitantes até 2028, reduzindo em 50% as mortes de pedestres, ciclistas e motociclistas. Somente olhando para as pessoas, e não apenas para os veículos, é que conseguiremos tornar nossas cidades realmente mais seguras.

Por Marta Obelheiro – especialista em segurança viária do WRI Brasil

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