Sobre ciclismo, as concessionárias e o poder público

Na última semana, milhares de ciclistas foram impedidos de trafegar pela rodovia administrada pela concessionária Ecovias com destino ao litoral paulista pela rota cicloturística Márcia Prado. No mesmo dia, em Guarulhos, ciclistas esportistas tiveram impedido o seu treino costumeiro na Rodovia Hélio Smidt, no trecho entre Base Aérea/Aeroporto (administrado pela concessionária GRU Airport), e, com certeza, muitas outras situações idênticas ocorreram pelo Brasil afora.

Ciclistas são impedidos pela Policia Rodoviária Federal de circular pela rodovia Hélio Smidt em Guarulhos
Ciclistas são impedidos pela Policia Rodoviária Federal de circular pela rodovia Hélio Smidt em Guarulhos

Com tais acontecimentos alcançando o direito de ir e vir (artigo 5º da Constituição Federal), os direitos sociais de lazer e trabalho (artigo 6º da Constituição Federal), além do dever do Estado de fomentar o desporto profissional e amador com o uso da bicicleta (artigo 217 da Constituição Federal), no plano de fundo verificamos existir interesse público envolvendo todas as modalidades do ciclismo.

Portanto é urgente vir à reflexão da população uma questão simples, qual seja, quais são os direitos e deveres das concessionárias quando recebem do poder público o direito de explorar um serviço mediante concessão, como no caso da malha rodoviária, cujas outorgas da gestão e operação de rodovias pela iniciativa privada ocorrem mediante licitação, resultando contratos de concessão temporários, em regra, disciplinados pela Lei federal 8.987/95.

Na referida Lei estão os direitos e obrigações para a manutenção do regime de concessão da prestação de serviços públicos pela iniciativa privada, como previsto no artigo 175 da Constituição Federal. Ou seja, há também obrigações a serem cumpridas pelas concessionárias, que não só a obtenção de lucro.

Conforme redação fiel do texto no artigo 6º da citada Lei, “Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários nas normas pertinentes e no respectivo contrato”, e mais, que o “§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

Ocorre que, diferentemente da obrigação legal e contratual, o que vem sendo notado na gestão das rodovias brasileiras pelas concessionárias, é que não estão sendo implantadas novas condições de uso, para com isso atender a necessidade do serviço ser “adequado ao pleno atendimento dos usuários”, muito menos estão de acordo com o desenvolvimento social, como no caso para se permitir com segurança o uso da bicicleta.

Em contraposição à referida conduta omissiva, o que se percebe é que, nada obstante os altos valores cobrados nas praças de pedágios, como forma de se eximirem de culpa e de responsabilidades, simplesmente alegam a “falta de segurança” e impedem o exercício do direito de uso da bicicleta.

Ocorre que, da leitura do Código de Trânsito Brasileiro, a circulação de bicicletas é permita em rodovias pelo artigo 244, quando há acostamento ou faixa de rolamento apropriada para o trânsito dos ciclistas, e no caso da rodovia dos imigrantes, há acostamento e a polícia militar rodoviária, bem como a própria concessionária, já estavam avisadas previamente (até porque todo ano ocorre o evento) da descida dos ciclistas. Porém, na última hora e sem aviso prévio, a concessionária Ecovias obteve na Justiça, sob a alegação de falta de segurança, a ordem judicial que barrou os ciclistas, e, em tal situação, o policiamento não teve escolha, senão de cumprir a determinação do Judiciário.

Nesse contexto, verifica que o problema maior a ser resolvido não é com o policiamento ou sobre a aplicação da Lei de Trânsito, mas sim a inércia das concessionárias nas suas obrigações, que apenas visam o lucro mesmo diante das suas obrigações contratuais de criarem condições para a evolução da malha rodoviária.

Portanto, a correta manutenção da infraestrutura rodoviária pelas concessionárias é fundamental para o desenvolvimento do País, bem como para possibilitar o cumprimento dos objetivos traçados pelo artigo 3º, incisos II e III, da Constituição Brasileira, e nesse particular, jamais deve ser negado pelas concessionárias a absorção e inclusão de meios para o uso da bicicleta, sob pena de descumprirem as suas obrigações enquanto prestadoras do serviço público.

Texto escrito por:

Marcos A. S. Prates
Advogado e ciclista em Guarulhos há mais de 10 anos
Membro da Diretoria Pró-Associação de ciclismo SpeedRaceTeam de Guarulhos

Nota da editora

Entendo que coube a polícia cumprir com uma ordem judicial, mas particularmente contexto a truculência da ação, e principalmente, acredito que precisamos refletir e questionar a forma como essa companhia tem sido usada para a manutenção de interesses particulares.

Incluo abaixo vídeo desenvolvido coletivamente por cicloativistas de São Paulo, e fica o convite para a bicicletada convocada para este sábado, 16 de dezembro: “Por quê fomos Barrados?


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