Dia Mundial Sem Carro: mais uma oportunidade para transformar

Qual o real custo de um carro? O valor econômico é alto e não é o único. Existe ainda o custo para o meio ambiente e para a saúde. No entanto, o vilão da nossa história não é realmente o automóvel em si, mas sim o uso inapropriado e exacerbado dele. Nesta quinta-feira (22) é celebrado o Dia Mundial Sem Carro, data em que centenas de instituições ao redor do mundo se unem em uma campanha para motivar as pessoas a experimentarem outras formas de transporte.

Um futuro sem carros, ou pelo menos com o uso racional deles, já é projetado por grandes cidades do mundo todo. Com tomadas de ação corajosas ou mesmo tímidas, o desejo de um desenvolvimento sustentável não pode ser desvinculado da busca por alternativas ao carro. Uma pesquisa liderada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e pelo Hospital das Clínicas de São Paulo destaca que os carros diminuem a atividade física. Além de contribuírem para o isolamento social, “causam estresse e a perda de horas de descanso, lazer e trabalho, devido aos congestionamentos”. “A saúde pode ser impactada diretamente de forma positiva pela escolha do meio de transporte que utilizarmos, prevenindo doenças ligadas ao sedentarismo e, indiretamente, pela diminuição dos efeitos causados ao meio ambiente devido às emissões dos escapamentos”, afirma a publicação.

Confira a lista de algumas evidências que nos suscitam a refletir neste 22 de setembro:

Atingimos o pico?

O tráfego de veículos cresceu a níveis assustadores até 2007, quando muitos pesquisadores acreditam ter alcançado seu pico. Depois disso, índices de distâncias percorridas por carros nos Estados Unidos, Reino Unido e diversos países em desenvolvimento passaram a registrar quedas. Com a evolução dos sistemas de transporte coletivo, dos espaços para bicicletas e da valorização do caminhar, optar pelo carro não parece mais fazer muito sentido.

Uma pesquisa, realizada em 2013 pela companhia de aluguel de carros Zipcar, revelou que a geração do “milênio” prefere descartar seus carros a seus smartphones. Para os entrevistados de 18 a 34 anos, a falta dos aparelhos causaria o maior impacto em suas vidas. Essa geração também afirma que tenta conscientemente reduzir a quantidade de tempo que dirige ao usar viagens compartilhadas (carpooling), transporte coletivo, bicicleta ou caminhadas.

A ideia do carro próprio ainda atrai muita gente e assim será por algum tempo. Porém, é a maturidade da nova geração que poderá virar o jogo. Nos Estados Unidos, dados recentes da Federal Hihgway Administration mostraram que o número de motoristas com 16 anos (a idade mínima para dirigir no país) caiu ao menor patamar desde a década de 1960. No Brasil, um levantamento feito pela Folha de São Paulo em 2015, com dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran), revelou que os paulistanos também estão adiando o momento de tirar a habilitação. Em 2015, o número de pessoas que deixava isso para depois dos 30 anos havia aumentado 77% em relação e 2005.

Foto: Clint McMahon/Flickr-CC

Cultura carrocêntrica

Todos vivemos em um mundo transformado para abrir espaço ao carro. Nossa cultura carrocêntrica não é novidade para ninguém. O próprio levantamento de dados sobre carros pode estar encorajando a persistência dessa prática. Quando se trata de transporte, existe, segundo o site City Observatory, uma abordagem e um viés sistemático a favor dos modos atuais de transporte e dos padrões de deslocamento. “Ao não tomarmos cuidado, esses dados irão apenas perpetuar o problema, se não piorar”, alerta o texto de Joe Cortwright.

Os estudos para o desenvolvimento de cidades inteligentes podem estar enfatizando soluções para o fluxo de carros, por exemplo, mas falhando em capturar possíveis alternativas que levariam a melhores condições para caminhar ou pedalar. “Como diz o velho ditado: Se você não contar, ele não conta. Essa premissa se torna ainda mais clara a medida que definirmos problemas em termos de grandes volumes de dados”, diz Joe Cortwright.

A ideia chega a ser óbvia, mas muitas vezes não nos damos conta. Problemas que não são medidos, não são solucionados. “Nos falta métricas convencionais para definir e mensurar, por exemplo, as dificuldades de caminhar. Nós não concebemos e aplicamos soluções ou adotamos políticas públicas específicas”, destacou. A busca pela mobilidade inteligente e o uso das novas tecnologias promove um acúmulo de estudos sobre carros do futuro, sem motorista, sem congestionamentos, sem emissões, mas pouco se pesquisa sobre pessoas.

A nova excitação que os carros autônomos provocam, chegando recentemente até a fazer o presidente americano Barack Obama afirmar que eles irão salvar milhares de pessoas, faz com que tudo pareça ter chegado a uma solução. No entanto, a comemorada queda no número de quilômetros percorridos por automóveis pode ser interrompida pelos carros autônomos e elétricos.

Espaço e segurança

O espaço do carro se apresenta em mortes e porcentagem, já que, segundo a Organização Mundial de Saúde, a poluição é responsável por 7 milhões de mortes a cada ano. Dentro de um escopo em que 75% das emissões em áreas urbanas são provenientes do setor de transportes, os carros adquirem, portanto, boa fatia de responsabilidade.

Os acidentes de trânsito ainda são responsáveis por tirar a vida de 1,2 milhão de pessoas em todo o mundo, todos os anos. Um estudo desenvolvido pela Associação Americana de Transporte Público, órgão que representa todas as agências de transporte dos Estados Unidos, afirma que o transporte coletivo é até dez vezes mais seguro do que o carro. “É tempo de empregar o transporte público como uma ferramenta de segurança viária já que ele pode reduzir drasticamente o risco para a vida dos usuários, assim como o de comunidades inteiras”, exalta o presidente e CEO da Associação Americana de Transporte Público, Richard White.

Para além dos evidentes riscos causados por carros, um argumento que não precisa de estatísticas para se fazer entender é a noção do próprio espaço físico que um automóvel ocupa. Não importa o quanto as estradas e ruas sejam ampliadas, os carros sempre as irão preencher – na maioria das vezes para transportar apenas uma pessoa. É o atestado mais óbvio da ineficiência desse modo de transporte. A comparação visual com outras formas de transporte não é nova. Uma campanha dos anos 1960 em Londres já deixava bem claro (ao lado).

O problema não é 1 carro para 5 pessoas. É 5 carros para 5 pessoas

Todos os dias, milhões de pessoas se locomovem sozinhas dentro de milhões de carros. Mas o futuro já seria bem menos congestionado se apenas imaginarmos carros completamente ocupados e muito menos automóveis nas ruas. Esse é um dos problemas que a tecnologia vêm permitindo que seja solucionado. O transporte compartilhado já é realidade e está na palma de qualquer cidadão pelos smartphones.

Em alguns momentos da história mundial, campanhas foram realizadas para encher os carros de passageiros. Isso ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, na crise dos combustíveis dos anos 1970 , mas nenhuma chegou perto da possibilidade que hoje temos de usar o carro com mais eficiência.

Aplicar estratégias de Gestão de Demanda de Viagens para reduzir o número de viagens individuais pode levar uma área ou até uma cidade inteira a uma realidade mais sustentável. A expansão dos dispositivos móveis e aplicativos de caronas e compartilhamentos de carros, em conjunto com o desenvolvimento de inovações tecnológicas, podem promover quebras de paradigmas e mudar a maneira como usufruímos os serviços urbanos.

Foi ao utilizar novas tecnologias que um bairro inteiro da cidade de Suwon, na Coreia do Sul, ficou um mês sem usar carros. A medida tinha o objetivo de mover a cidade a um futuro de baixo carbono. O planejamento levou quase dois anos, mas em setembro de 2013, todos os 1,500 carros dos moradores foram proibidos na rua. A cidade, então, forneceu 400 bicicletas e scooters elétricas para a população, enquanto as correspondências eram entregues por veículos elétricos e ônibus especiais levavam as pessoas até seus carros fora do bairro. Após a experiência, a velocidade máxima permitida para veículos na área foi cortada pela metade, para aproximadamente 30 km/h, pessoas passaram a caminhar e pedalar, e um dia por mês os carros são banidos desde então. O que Suwon fez por um mês é um versão ousada e corajosa do que o Dia Mundial sem Carros objetiva fazer por, pelo menos, 24 horas.

A data foi criada em 1997, na França, e aos poucos passou a ser adotada por outros países. Um dia pode parecer pouco, porém, apenas na ação do ano passado, Paris registrou 40% de queda nos níveis de poluição do ar e 50% na poluição sonora em diversas partes da cidade. A iniciativa afetou apenas um terço da capital francesa, mas os resultados das aferições foram suficientes para que a prefeita Anne Hidalgo planejasse novas ações do tipo. Atualmente, o tráfego de veículos é bloqueado na famosa avenida Champs Elysées e mais nove outras rotas no primeiro domingo de cada mês. Na cidade, o Dia Sem Carro será celebrado no domingo (25). “A população de Paris e região e os visitantes poderão aproveitar uma cidade pacífica e respirável com 648.15 quilômetros de ruas sem carros, equivalente a 45% da área da cidade”, explicou a Secretaria do Turismo e dos Congressos de Paris.

São dias especiais como o de hoje que podem fazer com que pessoas se deem conta de que o mundo e, principalmente, a mobilidade urbana, estão em transformação. Mais um Dia Mundial Sem Carro representa mais uma chance de pessoas transformarem suas rotinas em meio a tantas novas razões para mudar o planeta. Um dia sem carro pode ser convertido em uma vida sem carro. Basta querer.

Fonte: The City Fix Brasil

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